Por Pepe Escobar, Asia Times Online – The Roving Eye.
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu.
Bem quanto a encenação da linha vermelha entrava em convulsão febril – mas sempre enterrada na areia – e ele teve de escolher entre os EUA “exercitarem a contenção” ou “envolverem-se diretamente” na guerra síria, o presidente Obama foi salvo pelo governo israelense de Bibi Netanyahu.
A tentação de Obama era – oh, que tentação, tão grande – re-representar Ronald Reagan e desfilar gloriosamente sob o manto de Obama, o “Mujahid”, exatamente como Reagan fez nos anos 1980s com seus amados combatentes da liberdade da jihad afegã. Isso terá de esperar – talvez não muito.
Os motivos de Israel
Encurtemos a coisa. As bombas de Israel contra instalações do Exército Sírio em Jamraya perto de Damasco são provocação e ato de guerra. Israel agiu como avatar de Washington – que pode ter fornecido a lista de alvos. E Washington – para nem falar daqueles fantoches inúteis em Bruxelas – não condenará o bombardeio, o qual, pela infinitésima vez zomba da lei internacional.
Israel insiste que os alvos eram mísseis terra-terra iranianos Fateh-110 que estariam sendo enviados ao Hezbollah. Damasco diz que os alvos foram um instituto militar de tecnologia e áreas de treinamento de tropas; vivem ali vários inquilinos que a CIA muito gostaria de recrutar e pôr a seu serviço. Não há armas químicas em Jamraya. Fontes médicas sírias denunciaram que 42 soldados podem ter sido assassinados no ataque.
A ideia de envolver o Hezbollah, como tenta fazer Israel, é fraca. Não há qualquer confirmação de que o Hezbollah tenha comprado Fateh-110’s. Desde 2009, o Hezbollah já tem versões sírias do Fateh-110 – o M600 – com alcance de cerca de 250 km e sistema decente de orientação.
A macacada anônima de sempre, citada como “fontes em Washington” insiste que o próprio exército sírio precisa desses mísseis contra as gangues de mercenários armados que se autodescrevem como Exército Sírio Livre. Não faria sentido algum despachar os mísseis para o Líbano.
Mas para Israel faz sentido destruir um suprimento de Fateh 110’s – e até de M600’s.
Assim, Israel ajuda diretamente o “exército sírio livre”; um de seus porta-vozes, por falar nisso, real ou fake, foi à televisão israelense para elogiar os bombardeios. E Israel, no mínimo, consegue impedir, por hora, que mais mísseis cheguem ao Hezbollah.
Fato visível através do denso nevoeiro é que Israel tem um punhado de sérios motivos para, mais uma vez, agir como estado-bandido.
Israel anseia por uma Síria fraca, caótica – sem qualquer tecnologia militar avançada. Anseia sobretudo por uma total somalização da Síria – uma distopia de sectarismos. Que melhor pretexto para Israel passar a atacar 24 horas por dia, sete dias da semana, que o terrorismo wahhabi linha duríssima bem ali, próximo às fronteiras (nunca delimitadas) israelenses? Além do mais, Israel sonha com arrastar a Síria, o Hezbollah e afinal o Irã, para a guerra total. Quer o pacote completo – e quanto antes, melhor.
Mas Damasco pode jogar xadrez – e não responder. Pelo menos por hora. Ou deixar a resposta por conta do Hezbollah – em futuro próximo.
Não é acaso que o bombardeio tenha acontecido depois que:
(1) o chefe do Pentágono, Chuck Hagel passou por Israel e pelas petromonarquias do Golfo; depois
(2) que o Exército Sírio avançou nas duas últimas semanas pelo corredor de Homs, contra os mercenários e jihadis financiados por estrangeiros; e depois também
(3) que Hassan Nasrallah, do Hezbollah, fez viagem “secreta: a Teerã; Nasrallah, que tem aguçada mente geopolítica, disse e repetiu [a toda acomunidade islâmica reunida] que o que “eles” realmente querem é destruir a infraestrutura, a economia e o tecido social da Síria – “destruir a Síria como povo, como exército, como nação”.
Se houver outros ataques – e bem pode haver – para destruir os arsenais do exército sírio, virão como presente dos céus para os mercenários/jihadis. Nasrallah está absolutamente correto: o objetivo chave da coalizão “de vontades” CCGOTAN (Conselho de Cooperação do Golfo e OTAN) é tentar arrastar a Síria para guerra total. Ante alguma eventual resposta síria, a “solução” seria arrasar a Síria, à bomba, pelo padrão usado no Iraque.
As opções de Obama, o “Mujahid”
Ainda não se sabe se o gambito EUA/Israel dará o resultado esperado. Até aqui, o que fez foi adiar a coroação de Obama, o “Mujahid”.
Os mundos abismais da Think-tank-elândia norte-americana ficaram muito, tão OH! TÃO EXCITADOS, com a perspectiva de Obama burlar o Conselho de Segurança (e Rússia e China) ao estilo bushesco e impor uma zona aérea de exclusão sobre a Síria – de modo que os EUA pudessem engajar-se na sempre desejada “campanha de supressão da defesa aérea do inimigo”.
Bobagem, embora britânicos e franceses não tenham desistido, dentro da União Europeia e da Organização do Tratado do Atlântico Norte, OTAN, onde, de fato, já tentam empurram a OTAN para impor uma zona aérea de exclusão.
A zona aérea de exclusão foi introduzida pela imprensa em Washington como meio para neutralizar as armas químicas sírias. O problema é que Washington tem rala ‘inteligência’ sobre onde de fato estão as tais armas químicas. E, para complicar, o mais provável é que as armas químicas tenham sido usadas não pelo governo sírio, mas pelos “rebeldes” – segundo Carla del Ponte, muito conceituada investigadora da ONU.
O governo Obama flerta também com “ajuda letal direta” para os “rebeldes” – mísseis teleguiados antitanques e mísseis terra-ar.
Washington crê em seu próprio mito de que já não estaria “indiretamente” envolvida no movimento para armar grupos de oposição na Síria. Desde 2011, as gangues de mercenários ejihadis recebem armas através do mercado negro, arsenais na Líbia e na Croácia. A CIA trabalha mergulhada nisso até o pescoço. Muitas dessas armas já estão em mãos dos jihadis linha duríssima do tipo dos que compõem a [Frente] Jabhat al-Nusra.
A noção segundo a qual a CIA tem capacidade para manter armados e sob controle aquelas gangues de mercenários/jihadis a serviço de Washington depois de derrubado o governo do presidente Bashar al-Assad é A PIADA dos primeiros anos do século 21. Basta percorrer a trilha da memória, até o Afeganistão [orig. Just take a trip down memory lane to Afghanistan. [1]
Ou imaginem aqueles McJihadis sírios, ou os mujahidin de YouTube, equipados ao ombro com disparadores portáteis de mísseis termoguiados, espalhando o inferno por todo o sudoeste da Ásia.
Assim, depois de muito suar, Obama acabou ficando com coisa bem mais confortável que uma zona aérea de exclusão: ataques a alvos predefinidos – ou com jatos ou com mísseis, e levados a efeito pelos israelenses. O esquemão original poderia ser a Operação Raposa do Deserto [orig. Operation Desert Fox] (o bombardeio ordenado por Bill Clinton contra o Iraque, em 1998.) O objetivo, mandar “mensagem bem clara” à Síria.
Os próximos bombardeios visarão aeroportos e pistas de pouso e decolagem, concentrações de aeronaves, mais depósitos de armas, tanques e artilharia. O dano colateral aumentará furiosamente, inevitavelmente, proporcionalmente ao nível da provocação.
Bill Richardson, ex-embaixador dos EUA à ONU, íntimo do clã Clinton, já apostou, pela rede ABC News, que Obama “mostra tendência para os ataques aéreos”. Sim. É só o começo. Mini-choques & pavores aguardam.
Basta seguir o mapa do caminho
A questão é por que demorou tanto. A destruição da Síria – como Nasrallah a conceituou – com o ocidente mais uma vez em colaboração com gangues jihadis, está escrita nas cartas há anos. Vejam como Seymour Hersh delineou-a em 2007. E vejam o quão ansiosamente o establishment bipartidário em Washington espera pela “mudança de regime”.
E Damasco, é claro, é só mais uma parada rumo a Teerã. As proverbiais fontes anônimas já vazaram para o Sunday Times de Rupert Murdoch em Londres, que um“Crescente de Defesa” já se vai tornando realidade.
É o mesmo elemento CCG-Israel na coalizão de vontades na Síria, nesse caso organizando a gangue para “conter as ambições nucleares do Irã”. Turquia, a Casa de Saud, os Emirados Árabes Unidos e Israel alegremente festejam em centros de controle e comando conjuntos, para detectar os mísseis balísticos iranianos do mal.
Não sei muito de história. Mas que mundo maravilhoso teríamos. Presidente? Obama, o “Mujahid”.
Nota dos tradutores
[1] A Trip Down Memory Lane é título de um filme canadense, de 1965, 12’40”, categoria “experimental”, uma colagem de imagens e clips de som, só material jornalístico, de mais de 50 anos.
Fonte: http://redecastorphoto.blogspot.com.br/2013/05/pepe-escobar-israel-socorre-obama-o.html
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